quarta-feira, 18 de julho de 2007

48 Horas

Eu sabia que ninguém morre se não for sua hora. E sempre tem aquelas histórias inacreditáveis que de pessoas que conseguiram fugir de tragédias por razões que parecem "manipuladas" pelo destino, a famosa "sorte". Eu nunca pensei que veria uma história dessas, participaria dela, uma participação bem pequena, mas fundamental.

Segunda feira, um velho paciente do consultório liga dizendo que a filha não dormiu com dor de dente e se podia atendê-la pela manhã. Tudo bem, a menina veio. Dente do siso latejante, dor alucinante. Luciana decide extrair o dente, única maneira para finalizar a dor. Faz a cirurgia e dá 48 horas de descanço a menina.

Sabiamos que ela trabalhava na TAM Cargas "aquela que destelhou?" Luciana perguntou pra menina, enquanto esperava a anestesia fazer efeito "não, a do outro lado".

Houve a tragédia, a comoção. Pensei nela e falei pro Max "nossa, tem uma paciente que trabalha na TAM". Hoje pela manhã, falando com a Luciana sobre isso, ela parecia preocupada, porque assim como eu, havia pensado na menina. "Ainda bem que você deu 48 horas pra ela" eu disse, "dei? eu nunca dou 48horas" (isso é verdade!) "deu sim. disse que por ela não ter dormido e por não estar comendo direito. ela disse que trabalhava com o publico".

Paciente da manhã disse que pegava esse mesmo vôo, quando vinha de Porto Alegre as terças, ia pra lá na segunda resolver negócios do banco. Disse que ligaram pra ele, amigos preocupados. A mãe dele o lembrou que era esse mesmo vôo - JJ alguma coisa. Ele parecia tranquilo "quem viaja muito a negócios não tem tempo de se preocupar com a segurança do avião. confiam e ponto. eu agia assim, se pensar muito, você não faz." ele falou e eu notei suas palavras com atenção. Luciana confessou que agora tem medo de andar de avião, fica apreensiva.

Eu não gosto de altura, nunca viajei de avião. Mas sei que é seguro, acidentes acontecem. Mas acho que as pessoas ficam com medo porque percebem que nosso corpo é extremamente frágil e que basta uma simples porrada pra que ele se desfaça. Não é verdade?

Liga o velho paciente. Voz de choro. Suspiro. Pronto, pensei agitada, a menina estava no acidente. Passei pra Luciana a ligação, ela tremia, eu tremia, o paciente estava apreensivo. Será que ela estava lá?, não deixava de me perguntar, de repente você nota como essas coisas podem estar perto e fazer parte do seu destino. Luciana sorriu, agradeceu e desligou o telefone. "ele ligou pra agradecer, eu salvei a vida da filha dele. ela trabalhava até as 19horas no prédio que o avião atingiu." nós olhamos, assimilando a informação "não paro de tremer. salvei a vida dela?". O paciente sorriu, eu suspirei aliviada. "sim, você deu 48 horas pra ela. você nunca faz isso" disse eu, talvez feliz. "essa nasceu de novo" disse o paciente, também contente.

E não só ela. Próxima paciente foi uma que teve que esperar na segunda por causa da emergência dessa menina. "uma lição pra nós". Pra mim, uma revelação. Não tem que morrer quando não é a hora. Claro claro.

Sozinha com a Luciana "não consigo parar de pensar nisso. que coisa mais estranha, que sensação estranha". Sorri "que bom que ele ligou pra dar noticias felizes. abençoada você por suas 48 horas."


E nessas coisas da vida, sempre essas estranhsa vivências. Lamento pelo acidente. Que as vitimas tenham o descanso merecido e que seus parentes fiquem bem e na luz. Tudo o que posso desejar, no que posso ajudar, e desejo de coração.

Um comentário:

Prill disse...

o reinaldo é realmente muito esclarecedor, muito ventilado. ultimamente só o que vemos são repetições de repetições ditas por alguém.. idéia rarefeita. enfim. obrigada pelos comentários. estou completamente surpresa de descobrir que, além de vc não ser da petralha, é de esquerda. um choque delicioso.

beijos

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acabei de ler o seu post pra mamãe, ela está contando uma história parecida. quase todo mundo tem uma história parecida e agora foi a sua vez e a da Luciana.
as coisas acontecem quando devem acontecer. mas as vezes elas poderiam ser evitadas e, no momento, isso aumenta a minha dor

beijos novamente