quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Estagiário

Tenho um estagiário em minhas aulas. Nunca pensei que aconteceria comigo, que iam mandá-lo para outro professor, no entanto, ele está na escola para ver minhas aulas. Sou a professora de História com mais aulas no fundII, seria natural que ele me escolhesse. 40 horas de estágio.

Soube ontem que ele iria fazer estágio comigo. Na verdade, fui perguntada se ele poderia me acompanhar. Quis dizer não, mas disse sim. Logicamente eu era a melhor escolha. Fiquei pensando que deveria ter dito o que queria, mas também, eu sei que seria idiota da minha parte.

Fiquei pensando e pensando, achando que ele ia me julgar pela forma que eu dou aula. Eu tentei não julgar a professora com a qual fiz estágio. Claro, na primeira vez eu achei estranho, mas depois que entendi o contexto de tudo aquilo. Apesar de tudo, eu me sentia tão pouco a vontade de entrar na sala e assistir a aula, ver o desrespeito dos alunos com uma pessoa idosa. Ficávamos ali, eu e o Takuto, cercado das crianças que queriam saber quem éramos, se éramos mesmo do Conselho Tutelar. Única coisa que importava.

Todas as coisas que escutávamos das crianças e o desamparo daquela professora fazem eco nas minhas falas com o professor estagiário. Tão estranho pensar que eu pensei que a professora estava desacreditada e agora, eu também estou.

Isso só reforça a ideia: o que eu estou fazendo lá mesmo?

O professor estava animado, fazendo perguntas, querendo saber o máximo. Eu até ri, achando graça. Tive que perguntar se ele queria mesmo aquilo para a vida dele e ele meio que explicou o que estava fazendo ali. Mas como sou a favor de mudar os dinos da educação, não o desestimulei mais (as crianças farão isso por mim!).

Nossa primeira parada foi na 7B, com as crianças que acreditam que tem todos os direitos do mundo e a todos querem processar, sem pensar que tem deveres também. Primeiramente, eu disse que não podia falar porque ele estava ali, só que ele ia fazer anotações do grupo. Obviamente, as crianças ficaram atiçadas, o cercaram e fizeram perguntas. Vieram me perguntar se ele era mesmo um estagiário e eu tornei a responder que não podia falar a respeito. Pura maldade, Amei ver a cara deles pensando em diversas coisas, meio acanhados e muito curiosos.

O que a presença dele contribuiu? As crianças dessa sala tem brincadeiras muito violentas e não praticaram nenhuma traquinagem - tipo puxar a cadeira do colega quando ele tá sentando, jogar lápis de um lado a outro da sala e tapas, muitos tapas. Sim, eles fazem isso o tempo todo. Você pede para parar com isso antes que alguém se machuque e o que você escuta: ai a gente sempre brinca assim, não machuca ninguém. Claro, até a hora que machucar ne?

Próxima parada 6B. Contribuição: A sala não pareceu o hospício que é. As crianças não estava gritando e as garotas mais assanhadas foram lá falar com ele e mostrar seus dotes. Eu revirei os olhos e ri. O menino que se diz perseguido por todos os professores sentou lá para conversar com ele. Por que ne, nós professores ficamos perseguindo ele, dando nota baixa e tudo mais. Ele fica correndo, mentindo e xingando a aula toda, mas de alguma forma, somos nós professores que perseguimos o coitado e que tudo o que ele faz não está errado. Adoro a falta de bom senso dos pais e a super proteção no ego para não admitir que criou um demônio.

O professor foi embora depois. Tive que contar a todos que adorei ter ele na sala porque foi a primeira vez que sai da 6B sem dor de cabeça (como aquelas crianças gritam...).

No final, a experiência que achei que seria desagradável e que me faria sentir mal, acabou mostrando-se outra coisa. Eu notei que eu realmente me esforço, mesmo quando eles não estão nem ai. Que tento explicar as coisas, trazer para o contexto dele e dou vários exemplos de filmes e, embora, eles me olhem muitas vezes por olhar, algumas vezes, ele sorriem e acenam com a cabeça, entendendo a ligação. Acontece uma vez ou outra, mas ao menos, acontece.

Quando fazia estágio, falaram que não deveria ficar na sala dos professores que era o pior lugar do mundo. Eu mesma me encontrei nas falas que tanto detestei, Não sei quando foi que a escola passou a ser um mundo a parte, cheio de mentiras, ressentimentos e adversidades. Não deveria ser assim, não deveríamos ver os alunos como adversários ou a gestão como adversários. Me vejo dentro de um sistema que se consome sozinho e a razão falta: a sala dos professores é mesmo o pior lugar de uma escola.

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