Diário de Bordo da passageira quarenta e quatro haga
Brasil
Página 1
Em dezembro de 2016, recebi um e-mail do professor com o qual tive aula na pós-graduação me falando sobre um concurso promovido pelo Consulado Geral do Japão em São Paulo para uma viagem ao Japão. O programa tinha o nome de JUNTOS e se tratava de um intercâmbio cultural ao Japão com todas as despesas pagas organizado pela JICE (Japan International Cooperation Center) e o MOFA (Ministry of Foreign Affairs of Japan). O concurso resumia-se a alunos e pesquisadores de cultura japonesa e tinha dois fatores que me favoreciam: não tinha restrição de idade e não era necessário saber japonês.
Após pensar por um dia inteiro – eu sei que isso soa estranho, muitas pessoas teriam se inscrito na hora, mas eu nunca fui uma pessoa de concursos e tive que pensar um pouco, para conseguir a coragem necessária. Conversei com meu amigo Samus, aquele que parece entender minha alma mais do que qualquer outra pessoa no mundo e resolvi participar. Então, notando que não tinha muito a perder, eu me inscrevi. Era necessário preencher os documentos vinculados pelo Consulado e enviar uma redação sobre o porquê essa viagem ajudaria em minha pesquisa.
O texto produzido não foi o dos melhores, hoje eu olho para ele e penso o quanto estava ansiosa, mas ele não é ruim. Sou mestranda em cultura japonesa pelo programa de pós-graduação da USP e eu estudo mitologia japonesa, mais especificamente o Kojiki e dentro desse livro, Izanami e Izanagi. Minha redação falava sobre observar os mitos na sociedade.
Após alguns dias, recebi a resposta. A primeira veio como um e-mail dizendo que não tinha passado para a segunda fase. Na hora, pensei com um sorriso triste que, ao menos, tinha tentado. Alguns minutos depois, recebi outro e-mail que indicava que tinha uma entrevista marcada para a próxima semana. Ainda confusa, recebi um terceiro e-mail pedindo para desconsiderar o e-mail que não havia passado. Foi o momento que fiquei olhando os caracteres na tela do notebook e pensei "uau".
A entrevista ocorreu no escuro, o Consulado fica na avenida Paulista e estava sem luz. Conheci Miki-san e o cônsul Takamoto. Eles conduziram a entrevista com severidade, como esperado de japoneses. Eu não sabia se tinha ido bem, estava tão nervosa que não é possível lembrar com exatidão do que respondi as perguntas. Eu lembro que olhava o contorno dos dois pela luz que vinha de fora e olhava os telhados dos prédios vizinhos, enquanto pensava que estava fazendo uma entrevista para ir ao Japão. Eles ficaram surpresos por meu tema de estudo ser o Kojiki e me questionaram sobre o Japão atual e o Japão Antigo – o qual estudo e que tipo de choque eu esperaria por essa distância entre a realidade e o estudo, respondi que o passado sempre está lá, você só precisa olhar para ele, mesmo que a sociedade não seja a mesma (movida por regras e valores que ganharam outros entendimentos), seus resquícios ainda estão lá.
Como estudar mitos e outra era do Japão poderia me ajudar a sociedade atual? Como explicar que mitos não são apenas histórias? Como explicar que a mitologia permanece?
Demorou mais alguns dias para a resposta dessa entrevista. Eu já não sabia mais o que pensar. Tinha repassado a entrevista tantas vezes e respondido as perguntas de muitas outras formas. Era uma confusão e uma ansiedade só em minha cabeça.
Então, numa sexta-feira, recebi um telefonema da Miki-san dizendo que havia sido selecionada para o Programa Juntos e que ela precisava do meu passaporte para dar entrada no visto.
Minha surpresa foi tanta que quando ela disse "parabéns" eu ainda estava processando que iria ao Japão.
Minha Grande Mãe Divina, eu fui selecionada! Eu ia para o Japão!
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