domingo, 9 de abril de 2017

Diário de Bordo - Página DOIS

Diário de Bordo da passageira quarenta e quatro haga

Brasil

Página 2

Eu não tinha um passaporte. Eu nunca sai do continente. Minhas viagens internacionais eram para o Uruguay visitar a minha família e aqui com o Mercosul, meu RG era suficiente.

Tive a ajuda de uma amiga com o pagamento da taxa que a Polícia Federal exige para a confecção do documento. Myandra me emprestou o dinheiro assim que saiu a confirmação que eu teria a entrevista no Consulado. Queria pedir o documento o quanto antes, as pessoas contavam histórias de demora para fazer o agendamento e era final de ano, as coisas deixam de funcionar por aqui.

Antes de ir para a minha entrevista no Consulado, eu fui na agência da PF localizada no Shopping Eldorado para tirar dúvidas sobre o procedimento. Os funcionários foram bem colaborativos, eles sorriram e me explicaram como fazer. Me falaram sobre ficar olhando a página da PF e atualizando para ver se acontecia de ter data para dias mais próximos que não 2 de Janeiro (que era a data oferecida no sistema). Graças a essa dica, eu consegui marcar para a semana seguinte.

Já no dia de fazer o passaporte, a funcionária não parecia muito feliz. Eu fiquei de boca fechada, as pessoas têm dias ruins e não queria que nada saísse de errado com o meu passaporte porque queria viajar. O mau humor dela era tão palpável que formava uma névoa densa e negra ao redor dela. Ela ficou pressionando meus dedos para registrar minhas digitais enquanto as pessoas nas cadeiras ao lado da minha, iam embora por já terem resolvido os procedimentos. Ela estava tão mal-humorada e já tinha me dado duas respostas atravessadas que fiquei pensando se eu falava para ela que tinha dez por cento de digitais em alguns dedos (devido a uma queimadura de quarto grau anos atrás) ou que permanecia calada tendo meus dedos esmagados contra o leitor de digitais da mesa dela.

Optei pela segunda opção. Talvez ela tenha pensado que o leitor estava sujo, de qualquer forma, as digitais saíram (não sei com qual qualidade, mas saíram). Enquanto eu a via digitar e apertar os lábios, pensava no dia que tinha ido fazer a biometria no cartório eleitoral e que a moça de lá tinha desistido de pegar a digital de dois dedos (por causa dos dez por cento) e que posso votar com oito dedos. Ela grampeou meus papeis e disse que a confecção do passaporte estava demorando mais de sete dias por causa da procura de fim de ano. Agradeci e fui embora, um pouco preocupada.

Essa preocupação somente cresceu quando, no dia seguinte, foi noticiado que a emissão de passaporte estava suspensa por falta de pagamento. Ai sim, o que começou como uma pequena preocupação transformou todo o meu ser.

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