quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O surrealismo da reunião

No começo, eu achei que era porque eu estava meio cansada. Eu dormi quase 10 horas, mas não parecia suficiente. Estava sentada ali, alguns que estavam presentes, eu sabia que eram professores, reconheci a coordenadora e tinha aquele monte de gente que não fazia ideia de quem era. Tudo bem, professora nova e ninguém se preocupou muito em me informar nada - claro, devo ter cara de adivinha.

Depois eu me toquei que aquelas pessoas com alunos, eram pais. E eles iam participar da reunião porque os filhos deles tem problemas de disciplina. Até então, achei mais que justo porque os pais deveriam se preocupar com o que os filhos fazem e se interessar pela melhoria deles.

Eu me senti uma intrusa num espaço que faço parte, enquanto a coordenada falava de um lado e as mães retrucavam do outros. Crianças incorrigíveis, tentei de tudo, não sei mais o que fazer, já tirei tudo dele e ainda estou sendo chamada para as reuniões. Pensei: Deuses amados, o que há de errado com tudo isso? Como essas pessoas podem afirmar isso? Porque elas não parecem preocupadas? Por que muitas olhavam como se fosse um saco estar ali cuidando de algo que elas geraram?

Largou o filho no mundo. O mundo cuida. Cuida bem, viu? O mundo cuida daquele jeito, bem redondinho.

Me espantei com o que escutei. A gente sabe como são as coisas, mas quando ouve as conversas, começa a achar que é brincadeira. Tinha gente preocupada, gente que estava se esforçando. Educação vem de casa, a escola é complemento para o crescimento da criança como cidadão, seu direito ao estudo para não ser um completo imbecil. Os pais estavam se esforçando, não era a primeira reunião deles, seria a última.

Posto as palavras de apelo da coordenadora "não tenho filhos, mas penso que essas crianças são parte do nosso legado para a sociedade", alguns pais ficaram constrangidos. A mulher estava certa, o que poderiam falar? Uma das crianças deu de ombros, em sua total postura de tanto-faz-quero-que-se-foda. Acreditei ser abusivo, depois de tudo, ainda tinha a pachorra de dar de ombros e olhar com desafio. Querido, provavelmente, aquela mulher é a única que se importa com o que você possa ser e você, cego, claro que não pode ver isso.

Pensei em falar, me dirigir as crianças que apareçam com pais, falar diretamente. Não fiz nada, minha primeira reunião, porque iria falar alguma coisa? Que falassem o que deveria ser falado, que colocassem para fora as ofensas sofridas na sala de aula. Todo mundo diz que os professores não tem controle, por que essas pessoas não entram lá e tentam dar uma aula? O sistema de ensino é arcaico, conte-me mais, por favor? Como mudar algo se as pessoas de cima preferem assim? Quando o governo prefere assim porque assim tá bom?

A parte que fiquei boquiaberta foi quando a mãe de uma garota falou que, na verdade, a culpa era da escola. Foi quando eu achei que tinha escutado o suficiente. Todas as pessoas tem suas dificuldades, mas é sério mesmo isso? Sério que vai falar algo assim? Ok, me isento agora de minhas responsabilidades, estou aqui e o que vocês estão fazendo por ela? Cadê a parte de vocês?

Quando eu fiz meu curso de acd, eu tive uma aula de psicologia infantil, não foi o suficiente e não sou especialista, mas foi-me dito algo que reconheço sempre: os filhos imitam os pais. Se o pai não se interessa, o filho não vai se interessar. A questão desse curso era: como o pai pode pedir para os filhos escovarem os dentes depois das refeições se eles não o faziam? Como esperam que as crianças assimilem o gesto se não os praticam? Pais pedem para que os filhos leiam, mas o que eles leem? Os filhos assistem os pais lendo alguma coisa?

Foi quando a voz da consultora do curso veio na minha mente, enquanto eu escutava a mãe em seu discurso. Cada pessoa com suas dificuldades, mas ainda assim, aquelas crianças são de seus pais e serão da sociedade. Que tipo de pessoas esperamos formar sendo que a mais básica das educações não temos?

Me senti mal, pensei novamente que estava no lugar errado. Eu tenho essa coisa de querer trazer o melhor das pessoas, de acreditar nelas. Sempre acabo achando que as pessoas são mais do que elas mostram, que elas podem ser melhores a cada instante e sempre me decepciono. Espero coisas dos outros e eles não tem o porque de me fazerem nada disso. Interesses divergentes, pouca instrução, falta de vontade, assim tá bom.

Estou lá, será um aprendizado para mim. Farei meu melhor porque é uma questão importante. Não vou ter expectativas e não vou permitir que matem a esperança dentro de mim. Não posso nem falar pelo dinheiro porque seria, realmente, uma piada cretina.

Respeito é bom. Todos gostam dele. Mas como é algo muito valorizado, ele é facilmente esquecido ou posto de lado por aqueles que tem (e posso contar muitas histórias sobre isso) e totalmente ignorado pelos que não tem.

Senti vergonha. Senti repulsa. Fiquei chateada. Pensei que meu melhor não era o suficiente, eu não tenho o suficiente para fazer qualquer mudança. Quis acreditar. Quando entrei na sala a tarde, olhei para os alunos, abaixei a cabeça e ri. Fiz meu melhor, vi que não era suficiente. Tentarei outro método e que os Deuses me ajudem.

A gente vai levando, a vida é assim, uma pancada depois da outra depois da outra e depois da outra. No final, a gente sabe dançar samba, tem carnaval e futebol, quem precisa de mais?

Um comentário:

Luh disse...

Ainda não entrei numa sala de aula, mas tenho medo exatamente disso tudo que acabei de ler. E ensinar Lingua Portuguesa, é quase o mesmo praticar tortura medieval para algumas pessoas. Mas eu amo! E ainda credito! Quero acreditar! Assim como quero acreditar nos seres humanos... Mas a cada dia fica um pouco mais difícil e eu continuo me retirando para um mundo cada vez mais distante. Tenho medo de algum dia não querer mais voltar de lá!
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